A masculinização (des)necessária – Parte 2

Uma das coisas que sempre ouvi no mercado de trabalho desde cedo, era que mulher “não aguentava a pressão”. Qualquer mulher que ousasse demonstrar emoção, fosse por senso de justiça, por ter que lidar com grosseria ou simplesmente por não estar em um bom dia, era taxada de fraca. Inclusive por mim mesma.

Crescer escutando uma coisa forte como essa, molda o que passamos a acreditar!

No meu primeiro emprego, aos 15 anos, eu era recepcionista de um prédio residencial de classe alta na minha cidade. Lembro que entre muitas pessoas bacanas que moravam lá, tinha muita gente arrogante. E uma dessas pessoas “com o rei na barriga”, um dia me tratou muito mal, pois eu sai do colégio e fui pra lá direto de calça jeans e camiseta. Ela me humilhou dizendo que aquele prédio não aceitava que eu me vestisse como se estivesse na vila da qual eu vinha. Obviamente, eu chorei. Aquilo me magoou demais. Eu nem sabia ainda que vir da “vila” era um problema para algumas pessoas.

Apesar de ser consolada por um morador ou outro, a maioria debochou do meu choro (adivinhem se esses não foram todos homens?!). E por um bom tempo, precisei ouvir que “olha o que você vai falar para Etienne, hein, que ela chora, abre o berreiro”.

Agora imaginem o que isso causa em uma menina de 15 anos. Pois é. Eu passei a acreditar que chorar no trabalho era uma fraqueza e jamais ia me colocar em pé de igualdade com um homem se fizesse isso. E por anos, muitos anos, eu fui a pessoa que recriminava as mulheres que choravam à minha volta. Não foi uma ou duas vezes, que eu vendo uma mulher chorar no meio da agência, ia até a mesa dela, a convidava para ir comigo no banheiro e lá dizia, sem meias palavras: “querida, não chora no meio do trabalho. Se acontecer alguma coisa que te faça chorar, vai pra casa ou vem pro banheiro, pois por causa de mulheres que fazem isso, sempre acham que a gente não aguenta pressão e não merece cargos de gerência/diretoria. Se recomponha” – sim, é aqui que vocês podem me xingar de tudo!

Eu acreditava que quanto mais demonstrasse força e capacidade de ouvir absurdos sem me abater, me deixava mais próxima do topo. Que o total controle das emoções no trabalho, me fazia forte aos olhos dos outros, mesmo que eu estivesse em estilhaços por dentro. E quando via uma mulher demonstrando a sensibilidade que eu reprimia, eu ia até ela para “ensinar” que aquilo estava errado, que tínhamos obrigação de não reforçar o estereótipo criado para nós.

Há 2 anos, estou em uma sala de reunião com o CEO da agência que eu trabalhava, resolvendo um problema bem sério de um cliente que estava participando via call. Uma social media, que respondia diretamente para mim, interrompeu a reunião e antes mesmo de eu dizer “podemos falar depois?!”, ela começou a chorar e disse que precisava de um abraço. Eu fiquei PASSADA! Eu dei o abraço, claro, mas disse pra ela que não podia falar naquele momento e já ia voltar na mesa para conversarmos (matar ela, no caso). Seguimos a call e meia hora depois quando desligamos, o CEO me disse: “quais clientes a ‘fulana’ está atendendo? Ela não fala com nenhum cliente direto, certo?” – confesso que meu sentimento era o mesmo.

Quando cheguei na mesa, pronta para meu discursinho motivacional pró-mulheres de “o quanto precisamos quebrar o estereótipo de fragilidade”, ela não estava mais. Entre um resmungo ou outro falando o que aconteceu e sobre minha visão do fato com o restante da equipe, majoritariamente feminina e LGBT, uma colega me deu um soco na boca do estômago.

“Eti, como você tá sendo escrota! Você em nenhum momento se preocupou em perguntar o que aconteceu com ela ou valorizou o fato dela TE procurar para se sentir acolhida. Você, como feminista, não deveria estar preocupada com ela não reforçar um estereótipo besta e sim, em mudar esse estereótipo, pois você tá numa posição de poder e é o que deveria fazer.”

É bem verdade que o soco no estômago ou na cara, teria doído menos. Não dormi naquela noite. Fiquei pensando naquelas palavras e o quanto tinha verdade nelas.

Comecei a contar quantas vezes eu estive nesse mesmo papel de escrota-master e o que eu poderia ter feito diferente. Pensei a noite toda tentando entender os gatilhos que despertavam essa “Etienne cuzona de tudo” com outras mulheres que tinham a coragem de não reprimir os sentimentos, tal qual eu vinha fazendo há mais de 20 anos. E porque esse tipo de “proteção” que eu achava que eu estava fazendo, em nome do feminismo, era completamente equivocada.

Ao final da contagem, lembrei de onze. Onze mulheres que eu fiz questão de dar um exemplo deturpado de como deveríamos nos comportar no mercado de trabalho. Doeu. E eu só conseguia imaginar, se está doendo em mim agora, imagina o que não doeu nelas quando eu agi desta forma, ignorando completamente a humanidade que deveria habitar em mim.

Sabe o que eu fiz?! Fui pro Facebook procurar cada uma delas. Achei nove. Para as que encontrei, pedi minhas sinceras desculpas. Nem todas responderam, mas as que responderam foram tudo o que não fui para elas: amigas.

E, a partir deste fatídico dia, dissemino o que deveria ter aprendido desde cedo: que não tem problema sermos humanos, sermos sensíveis, demonstrarmos sentimentos. Que o choro não é sinal de fraqueza, de não “aguentar a pressão”. Que chorar ou não, não nos faz melhor ou pior do que ninguém. E que quando alguém chora, esse alguém precisa de afeto, de acolhimento, e não de julgamento.

Estou terminando esse texto em prantos. Me dói até hoje saber que eu estava cometendo uma injustiça, quando achava que estava fazendo uma coisa boa para elas. Dói saber que eu estava sendo muito machista, mesmo defendendo tanto o feminismo. Espero que essa minha história pautada em uma crença totalmente errada, de que demonstrar sentimentos incapabiliza as pessoas, façam muitos e muitas refletirem, para que não cometam o mesmo erro que eu. Pois no fim das contas, os estereótipos podem e devem ser desconstruídos sempre. E não reforçados.

Às mulheres que me perdoaram. Obrigada pela generosidade.

Às mulheres que não encontrei ou não viram minha mensagem, caso estejam lendo este texto, por favor, me chamem. E me deem oportunidade de me desculpar.

À Cassia Pires, colaboradora que me chamou de escrota, muito obrigada. Se não fosse sua coragem em falar o que pensa, eu não seria uma pessoa melhor hoje.

E se você não leu o texto “Parte 1”, tá aqui o link: https://www.linkedin.com/pulse/masculiniza%C3%A7%C3%A3o-desnecess%C3%A1ria-etienne-du-jardin/

E tem um outro texto importante sobre o assunto: Machista por convicção ou repetição? https://www.linkedin.com/pulse/machista-por-convic%C3%A7%C3%A3o-ou-repeti%C3%A7%C3%A3o-etienne-du-jardin/