A masculinização (des)necessária – Parte 1
- Mercado de Trabalho
- 7 de novembro de 2018
Há um tempo, conversando com um amigo, ele me disse: “nossa, Etienne, como você fala palavrão”. Eu prontamente respondi: “e qual o problema, caralho?!”
Demos boas risadas e no caminho de volta pra casa fiquei pensando no que ele me falou. Pois sim, falo muito palavrão. E nunca tinha percebido até aquele momento, que é muito mais do que muitos homens que convivo. Isso ficou martelando na minha cabeça “não fui criada assim e tão pouco as pessoas da minha convivência falam tanto quanto eu. Porque sou tão desbocada?!”
Bem, me formei em Desenho Industrial e, antes de entrar no mercado da publicidade nos anos 2000, trabalhava com produção de móveis em alumínio fundido em Porto Alegre. Meu dia a dia era acompanhar o processo de produção dentro uma fundição de areia, garantindo o cumprimento dos parâmetros de qualidade. Não preciso nem dizer que eu era a única mulher na fábrica, né?
Quando migrei para publicidade, fui trabalhar em uma área que tinha muito mais homens do que mulheres dividindo o espaço: criação e planejamento. E de agência em agência, atendendo clientes de todos os mercados, o que ia vendo eram cargos mais altos ocupados por homens – na sua grande maioria brancos, héteros e classe média alta.
Convivi com mulheres maravilhosas no âmbito profissional desde novinha, mas dificilmente elas eram as “bosses”. Na maioria das vezes, elas, assim como eu, tinham um “chefe” homem, que dava a palavra final para tudo e ditava o clima do trabalho. Saquei isso muito cedo, desde o meu primeiro emprego, na verdade. E conforme via algumas tratativas com outras meninas por parte deles, que não gostava, ia determinando o que não queria pra mim.
E por isso vieram os palavrões. Eles foram minha defesa!
Como inevitavelmente eu precisaria lidar com todos esses homens, poderosos ou não, se quisesse que meu trabalho fosse reconhecido, vesti uma capa que me deixasse o mais próxima deles e me garantisse respeito: a Capa da Masculinização.
Palavrões, piadas machistas, pouca maquiagem, cabelo preso, roupas com sensualidade zero, não mostrar nenhuma fragilidade ou empatia. E claro, jamais, nunquinha, chorar no trabalho! Essas eram as matérias-prima da tal capa.
Totalmente inconsciente, eu moldava o meu comportamento para que ficasse mais próximo do deles. Fora que ser vista como um dos “brother’s” me afastava do assédio, que era investido em outras colegas mais femininas. E a cada “parabéns, Etienne, você trabalha como um homem!” ou “com a Etienne não tem ruim, é um homem trabalhando” isso só reforçava este comportamento. Pois esse tipo de frase só reforça que se vir de mulher, não é tão bom. Tem que ser dele, do homem, para ter valor de verdade [sic].
Quando fui envelhecendo, meu comportamento foi se adequando ao que eu era de verdade, e não ao que “deveria ser” na patética e real tentativa de ser respeitada e reconhecida profissionalmente – totalmente inconsciente.
A ficha desta “masculinização” que eu me colocava, caiu muito tempo depois. E continua caindo a cada dia, na verdade. É uma desconstrução gradativa, pois por mais que você tenha consciência que não precisa agir desta forma, o que se viveu não se apaga. E quando a gente vê, está falando em uma reunião “porra, aí sim, baita projeto, foda cara!”
Vou escrever mais dois artigos sobre esse assunto, pois acho que tem muito pano pra manga. Esse é o primeiro. E nos outros, vou falar um pouco de como foi desconstrução deste comportamento para mim e do como aceitar o feminino é importante, inclusive partindo de nós, mulheres.
E você, mulher, passou por algo assim alguma vez? Me conta!